A medicina e os métodos de higiene salvam milhões de vidas e fazem com que, para humanos, a frase "sobrevivência do mais forte", suposto pilar da seleção natural, pareça coisa do passado. Evolução é coisa do passado para nossa espécie, certo?
Não exatamente, revelam estudos recentes. Segundo seus autores, a evolução humana pode ter até se acelerado a partir de 10 mil atrás, quando as civilizações começaram a surgir e as populações começaram a crescer rapidamente.
NÃO é PROGRESSO
Para entender isso, porém, é bom tirar alguns entulhos conceituais do caminho.
O primeiro deles: evolução não implica em progresso, nem é o mesmo que seleção natural. Qualquer mudança, de uma geração para outra, seja aleatória ou fruto de seleção, indica ocorrência de evolução.
A seleção natural ocorre quando as diferenças individuais em uma característica, como altura, estão relacionadas ao número de descendentes e são herdáveis. (Homens altos têm mais filhos do que os baixos e passam a característica aos descendentes.)
Além disso, é bom riscar a tal "sobrevivência dos mais fortes" do seu caderninho mental. Na verdade, a seleção não premia só a sobrevivência, mas principalmente a reprodução.
Há uma excelente razão para achar que ainda estamos evoluindo, e talvez em ritmo acelerado: mais matéria-prima e mais diversidade de ambientes, diz o antropólogo John Hawks, da Universidade de Wisconsin em Madison.
A matéria-prima é o DNA, onde ocorrem as mutações potencialmente úteis que a seleção natural submete a uma triagem. A matemática é simples: quanto maior a população, maior a chance de que surja alguma mutação no genoma que acabe melhorando as chances de reprodução de seu portador.
Quanto aos ambientes, transformações sociais, econômicas e de habitat foram aceleradas nos últimos 10 mil anos, o que trouxe oportunidade para que certas mutações conferissem vantagens.
ADAPTAÇÃO Em seu estudo mais famoso, publicado na revista científica "PNAS", Hawks diz ter achado sinais de seleção natural recente em 3.000 genes -10% do genoma humano. Em muitos casos, são coisas esperadas. As pessoas de hoje são mais capazes de digerir leite (por causa da domesticação de animais leiteiros) e de lidar com açúcar, amido e gordura, nutrientes que os nossos ancestrais raramente encontravam. Mas há coisas mais misteriosas nesse balaio de genes. "Dos cerca de cem genes clássicos ligados aos neurotransmissores [mensageiros químicos cerebrais], 40% exibem evidências de seleção recente. Muitos estão relacionados a variações de humor. Será que não domesticamos a nós mesmos para que conseguíssemos viver em comunidades altamente densas, coisa que nunca tínhamos feito antes?", diz Robert Moyzis, da Universidade da Califórnia, do grupo de Hawks.ESTUDOS MÉDICOS Há também uma série de características físicas com sinais de alterações em poucos séculos ou décadas. Essa descoberta se tornou possível porque os pesquisadores estão analisando bancos de dados epidemiológicos, recolhidos por médicos e pelo governo, com os métodos da biologia evolutiva. Ao associar características como altura, idade do primeiro filho que chegou à vida adulta e idade do início da menopausa ao número de descendentes, são observadas tendências evolutivas recentes. É o que mostra uma compilação dessas pesquisas, coordenada por Stephen Stearns, da Universidade Yale (EUA), na revista científica "Nature Reviews Genetics". A principal alteração destaca por Stearns é a ampliação da janela reprodutiva feminina. Hoje, estão sobrevivendo mais filhos que nascem de mães mais jovens e mais velhas. Isso seleciona mulheres um pouco mais capazes de se reproduzir nesses dois extremos de idade. Além disso, nunca houve homens tão altos. Isso tem a ver com a melhora da alimentação, mas também com o diferencial reprodutivo trazido por ser um sujeito alto.
MARCO VARELLA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
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